crisca1808@gmail.com

domingo, 26 de dezembro de 2010

Meu tempo é a.C.

É. Ainda escrevo cartas.
Me diz por onde tu anda, Ômi.
Fazendo. Pensando. Produzindo o quê.

Novidadezinha chata: perdi todos os
emails. Adeus todos os registros de
conversas entre mim e os três mosqueteiros.
Puft! Sumiu everything. Problemas com o
Windows Live Mail, etc. Nem adianta detalhes.
Já chorei o q me cabia, e chega. Parece que
aquele teu "sonho" de ver nossas cartas
publicadas foi pelo ralo.

Nem vou perguntar a A. e N. se têm
esses textos salvos; eles não
se dão ao trabalho de responder.
Quanto a voce, não sei como está, e não
me sinto no direito de pedir nada.

Eu bem podia telefonar, mas nesta casa as paredes "são" ouvidos,
não vou me expor ainda mais; estou vulnerável, pra não dizer
frágil e triste, até onde posso estar.

Triste, mas não "arrasada".
Aquele episódio serviu ao menos pra isso.
De lá pra cá,NADA MAIS me fez arrancar
um só fio de cabelo. Nem mesmo
a morte de dois grandes amigos.
Foi vc que me disse que isso é "amadurecer"?
Morrer dói bem menos - eu vi.

Saí da adolescência lá pelos 37 anos, vendo o A. definhar.
Depois daquele agosto de 2007,entrei na envelhescência.
Fazer o quê. Os FATOS -sem melodrama- são simples e claros, como você quase disse uma vez: eu sempre dei mais do que tinha, restou muito pouco de mim pra mim.

Há poucos meses eu não escreveria
uma coisa dessas sem cair no choro.
Hoje... tô aqui com uma cara de
monje tibetano, que tu não imagina.
No fundo estou é perplexa com minha
[aparente?] passividade diante das
pequenas e grandes tragédias do dia-a-dia.

Percebo que me dei importancia demais,
fui vaidosa, prepotente, alienada,
a vida toda. Em tudo e com todos,
mas sobretudo em relação a vocês
três, e BEM ESPECIFICAMENTE
no que toca a você-sabe-quem.

Não faz muito tempo eu me achava
- sem a menor razão concreta -
a última coca-cola do deserto.
Auto-defesa. Uma neurose a mais, uma a menos...

Caiu a ficha. O que sou afinal?
Uma mulher de meia idade,e, afora
o luxo de ter, além da vida, mais uma doença incurável,
uma mulher absolutamente comum, sem talento
ou status que a distinga do vulgo.
Preconceituosa, o que significa
no mínimo tacanhez. Mesquinha, possessiva;
desprovida de bom-senso,ética,dinheiro,
beleza; sem civilidade nem pra frequentar um baile funk.
Por que raciocinio tortuoso uma criatura dessas se acredita
indispensável, admirada, amada, bem-vinda?
É muito doido isso, muito doido.

Cris

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Remorso

Remorse is memory awake
Her companies astir
A presence of departed
At window and at a door.

Its past set down before the soul
And lighted with a match
Perusal to facilitate
Of its condensed dispatch.

Remorse is cureless, - the disease
Not even God can heal;
For it’s His institution, -
The complement of Hell.

                   ****

Remorso é memória alerta;
Presença do ausente
Em sentinela
Na porta e na janela.

O passado diante da alma
Por uma chama iluminado
Pra facilitar a leitura
De seu código cifrado.

Remorso é mal incurável,
Nem Deus pode aliviar;
É Sua instituição,
Inferno complementar.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Da [in] utilidade das palavras

Se me faltam palavras,
estou irremediavelmente só,
à mercê do destino - ou da morte -
que diferença?
 
Mas sei de solidão maior.
É quando, mercê das palavras,
Não há uma que nos conforte
ou nos convença.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Saudosa Maloca Azul

É, meu amigo, "chifre é como assombração: sempre aparece pra quem tem medo"... Diz o filosofo brega cearense.

Isto, a proposito de tudo.
Sobretudo a proposito de Brasil, e de mundo - o que pra mim é a mesmissima coisa. Somos hoje literalmente nao apenas o celeiro mas o manancial aguadeiro do planeta. Quem tem terra cultivável e água limpa pá caralho? Nóis. Quem (ainda) tem 7% da mata atlantica, com fauna e flora a reboque? Nóis, oxente.
Quem tem "o pulmão" do planeta? Nóis!
Trocando em miúdos, pode ir preparando o coreto que vai ter fanfarra (guerra, seja como for). Que petroleo que nada, isso é café pequeno, meu fí.
As Negrada (e as lourada) vão querer é nossa água.

O berço esplêndido do Gigante Deitado Eternamente vai ser invadido por tudo que é neguim com sede (de poder, inclusive). E poder, meu irmão, daqui a bem poquim, só vai ter quem tiver agua e comida.

Uns dez gato pingado vão se mudar pras estações espaciais... e lá, os que nao morrerem de fome e sede morrem de tédio...rs bem feito! Um magote de noventa por cento dessa laia vai continuar agonizando, por uma das miriades de razões por que há milênios agonizamos.

O resto fica mais um pouco "se achando", sobrevivendo do que usurpou da maioria, mas nao demora também desce pelo ralo da propria burrice.
E eu ali, pairando por cima de tudo, numa nuvem, cantando Saudosa Maloca com Adoniran e Elis, e morrendo de me divertir.

domingo, 10 de outubro de 2010

Brasilia é show

Lago Sul, Brasília
Brasilia não parece nada com a cara que mostra na TV Senado,
ou na midia em geral. Embora muito organizadinha pro meu gosto
(pelo menos o plano piloto), é uma bela cidade.
Quase nao se vê asfalto e concreto, de tanto verde pra todo lado.
E as corujinhas saltitantes nos canteiros entre as faixas de asfalto
são uma supresa mais que agradável.

Detalhe: pra onde quer que se olhe, lá está o horizonte.
E nem por decreto se vê um fiapo de nuvem.
É um azul absolutamente impoluto.
Nascer do sol é diferente de quaisquer outros que já vi noutras
cidades. Não digo mais bonito, mas diferente. Fim de tarde... que aquarela!
Ainda vou encontrar um jeito de exprimir.
Quando o avião descia, vi uma lua incrível na janela;
tinha sido pintada a óleo, naquele exato momento, e nao  fazia parte do céu, era assim como um imenso painel em neon.

Clima ameno, entre 18 e 25 graus, e a umidade do ar é muito baixa,
sim, em torno de 45%, qdo o ideal é mais ou menos 80%. Mas desconforto nenhum;
nem nariz sangra, nem pele resseca demais, nem olhos irritados - nada do que disseram pra me assustar.
Ô carcaça de primeira! Quando digo que sou quase uma Ferrari...
pensam que eu exagero.

domingo, 3 de outubro de 2010

Pisando na Fulô do Lácio

Perguntei ao Tio Google pelo numero de determinado candidato a Deputado Federal, e dei de cara com a frase:

* Parabéns para o Sr. Fulano de Tal pelo o trabalho que ele está fazendo para melhorar a vida da população desta cidade.

É verdade. Estamos acostumados a somente "descer o pau" nos políticos, mas quando eles fazem um trabalho sério, ninguém diz nada.Agora: custava escrever em bom português?
Depois falamos sobre isso, Vou votar.

sábado, 2 de outubro de 2010

Saravá, Mago!

Diversas razões me mantiveram longe do blog esta semana.
Nenhuma instigante como a leitura de "Cadernos de Lanzarote II".
Não li o primeiro volume, mas é questão de tempo - pouco tempo.

Saramago é um dos escritores que, afora o celebrado talento, tem para mim um especial atrativo: ele me inventa, conta a minha historia, ele me explica pra mim. Isso não tem preço. Tem quem não goste muito de se ver sem maquiagem, no espelho, debaixo de uma luz forte. Não é o meu caso.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De volta pro aconchego

Depois das andanças pela dura poesia concreta
de algumas esquinas, voltaste. Estás bem, estou contente.
Me encontras um pouco diferente, mas vou te falar de todo coração:

Meu amigo, meu irmão,
"...que bom poder estar contigo de novo"...

Seja bem-vindo ao lugar de onde deveria, sim,
ter saído, até pra ter a delícia de voltar.

Sorte, Saúde, Paz.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quadrado de Dois Lados

Não faz muito tempo eu dava uns puxões de orelha
num amigo arredio. Sempre se esquivando dos nossos
convites, com as desculpas mais tattered - que é como
eu digo esfarrapadas, tentando esconder que nasci
a.C. (antes do Computador).

Eu estava errada - pela enésima vez.
Primeiro, não tinha nada que meter o nariz
na vida do cara. Segundo, hoje caiu a ficha.
De repente, "tipo assim" do nada, percebi
que ele tem razão.
Bom: do nada, não é bem a expressão da verdade.

Fui juntando umas pecinhas aqui, outras ali,
meio brincando com meu LEGO interior.
Daí me veio: meu amigo percebeu, séculos antes de mim,
que "ado, ado, cada um no seu quadrado" é O Axioma do Milênio,
e tem tudo que ver com a situação - ONDE eu achava que não me incluía.

Não sei se consigo me explicar. Mas veja se não
faz sentido: estou dentro do pensamento e das considerações de alguns,
quando isto lhes é confortável, adequado, conveniente.
Quando tudo isso não, estou fora. Simples como andar pra frente.

Amigo véio,você está atolado na razão. Sempre esteve.
E eu te achando esquivo, bicho-do-mato,
anti-social. Apenas não é burro.
E conhece as fronteiras do seu quadrado,
que como o meu, só tem dois lados: dentro e fora.

Perder um Amigo

Maurício Tapajós / Aldir Blanc

Perder um amigo - morrer pelos bares
Pifar em New York, penar em Pilares
Perder um amigo - errar a tacada
Sentir comichão na perna amputada

Perder um amigo - mudar pra bem longe
Levar vida afora o tombo do bonde
Perder um amigo é a última gota
Se o cara duvida que a vida é marota

Perder um amigo - perder o sentido
Perder a visão, as mãos, os ouvidos
Perder um amigo:
Perder um encontro marcado e marcar-se
Com a perda do espelho nos olhos do amigo
Aonde melhor conheci minha face.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Mentiras Sinceras"

As crises de depressinha estão mais raras e curtas.
O problema são as noites: sempre mais longas.
Fazer o quê? Não se pode ter tudo.
Pelo menos estou "viva" -  dizem os amigos.
E os meus amigos não mentem, a menos que seja
pra me confortar. Querer mais, e menosprezar
essa riqueza, seria ingratidão.

domingo, 12 de setembro de 2010

Mim pessa que eu ajudo

Acham que eu exagero, não é?
Pois saibam que diariamente recebo uma pá de e-mail
em "dialetos" estranhos, que despetalam
a Flor do Lácio bem diante do meu pasmado nariz.

Quem dera fosse só via e-mail.

Sofro assaltos-a-língua-armada
via pop-ups, blogs e sites em geral,
inclusive - inclusive nada,
principalmente! - em nichos literários.
Está certo que os tempos são outros.
Tudo bem que a língua é dinâmica etc.
Mas tem horas que me bate um desalento...

Preconceito. Intolerância. Caretice.
Certo, de tudo tenho um pouco.

Você, claro que não.

Acontece que estou aqui à trabalho,
não vim pra paciar, informou-me
dia desses um contato online.

Daí que me dispus a esclarecer
quem tivesse a humildade de perguntar:
Ei, Cris, é com j ou com g?
Está ou estar? Se eu poder ou se eu puder?
Cançasso ou canssaço? Anciedade. Destorçer os fatos.
Emprimir verassidade aos textos, ir à nado,
encarar de frente à vida, perigo eminente.
E por aí vamos.

Quando não sei,faço por onde.
Tudo por e-mail, claro, que é pra não constranger.
Ninguém é obrigado a ser Machado de Assis.
Mas, putsgrill!  custava escrever do jeito
que foi "combinado"? Para isto existem os códigos,
pra gente se entender, tá ligado? Se não para
tanto, ao menos para termos em que estribar
os arranca-rabos.

Pode me xingar, chingar, ou esculhambar à vontade.
Mas numa língua ONDE eu entenda, please.

sábado, 11 de setembro de 2010

Vote para o Oscar

Que filme brasileiro voce indicaria para o Oscar 2010?
Vote aqui:


 http://www.cultura.gov.br/site/2010/09/08/enquete-oscar/

Semiótica do Medo

As palavras nem sempre são o resultado de uma reflexão intelectual ou têm a função de provocar uma reflexão no ouvinte, não funcionando, nestes casos, como meio de transmissão de pensamento. Muitas palavras são utilizadas como uma espécie de cimento social, tendo a função de criar laços de união. São exemplos desta função os cumprimentos ou saudações do tipo "como vai?", "tudo bem?", "bom dia". São falas vazias de conteúdo, mas que cumprem importante papel no relacionamento social. [...]
Leia mais:

http://espiritodegeometria.blogspot.com/2010/09/semiotica-do-medo-e-da-desconfianca

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O poder do discurso

[...] Vivemos num tempo e lugar em que nenhum valor moral é mais importante que a troca do nosso dindin (ou poder) por algo que alguém nos quer convencer a comprar. Seja um saco de arroz, uma religião ou um político. Nesse contexto em que a competência se impõe, não importa se os argumentos dos "vendedores" são verdadeiros ou falsos, desde que sejamos persuadidos. E uma das principais armas para nos convencer é o discurso, a linguagem. Nem tanto o que se diz, mas como se diz.

Hoje, como nunca antes, malabarismos linguísticos fazem que um sim signifique não. E pouca gente o percebe. Assim é que se abre caminho para um programa de proteção aos direitos humanos que revoga direitos humanos. Ou uma chamada "Comissão da verdade" que só quer uma meia verdade, ou a verdade de um dos lados. Ou o caixa dois transformado em "recursos não contabilizados". Ou o corrupto que é apresentado como grande estadista. E assim por diante.

O próprio Orwell escreveu: "Se as ideias corrompem a linguagem, a linguagem também corrompe as ideias".
Por isso enriquecer o vocabulário não serve somente para falar bonito.

Serve também para pensar corretamente.


Luciano Pires
http://www.lucianopires.com.br/

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Co-Incidência
Parte 2

-   Sim, pois é, o estuprador. A senhora.. rhan-rhan... senhorita portava alguma arma... 
   um canivete, ou coisa parecida?
-   O senhor está me chamando de... de...!?
-   Absolutamente, moça, de jeito nenhum. Só estou cumprindo as formalidades, 
   é o meu trabalho. Alguma arma?
-   Não. Tenho medo de armas – empertigou-se.
-   Ah, bom, tem medo de armas. Mas de andar sozinha, de madrugada, 
   na... na orla marítima – enfatiza com malícia a expressão – com...essa roupa...
-   O que é que tem a minha roupa?! Bota as mãos nos quadris, 
   sacudindo-se toda, exibindo a minissaia de couro preto, 
   a blusa colante de decote generoso, os enormes saltos.
-   Não tem medo...
-   E daí?  Só porque eu vejo um cara bonito com pouca roupa vou atacar ele? 
   O senhor tá querendo dizer que a culpa é minha, se o cara quis me estuprar? 
   Era só o que me faltava!
-   Mas será possível, minha senhora?! Tenha calma, eu só estou fazendo o meu ...
-   O seu trabalho, o senhor já disse; muito mal feito, por sinal. 
   A essa altura, já devia era ter uma pista do cara. Eu dei todas as dicas importantes.
   Queria ver se fosse com filha sua.
-   Filha-minha-não-anda-sozinha-de-madrugada-na-praia-com-uma-roupa-dessas! 
   Vocifera o policial, num fôlego só.
- Ora...! Sabe de uma coisa? Não quero mais dar queixa coisíssima nenhuma! 
  Ele não conseguiu nada mesmo. Só vim dizer pra polícia saber que tem um tarado por aquelas bandas. Mas se é pra ser humilhada desse jeito... a polícia que se dane.. humpf!   Teatralmente, jogando para trás os longos cabelos tingidos, a moça repõe a bolsa a tiracolo e se dirige à saída. Na pressa, esbarra num rapaz de presumíveis dezesseis anos, tipo atlético, que entrava como um vendaval na delegacia. A bolsa se abre, esparramando pelo chão um monte de objetos.
 
  A moça solta um palavrão e passa a catar pela sala chaveiro, batom, fivelas, carteira de couro, minifrasco de perfume. Ao erguer os olhos, dá de cara com um rosto familiar: o do estuprador de duas noites atrás.
-   Me dá uma graninha aí, véi, que eu alisei.
                                                            

Co-Incidência
Parte 1

O policial de plantão perde a paciência.
Passa a mão no cabelo despenteado, cofia a barba, puxa um longo trago do cigarro, pigarreia.
- Muito bem, muito bem. Vamos por partes. A senhora ia...
- Senhorita.
- Certo, (rhan-rhan). A senhorita ia andando tranqüilamente
no calçadão da praia, plena duas horas da manhã
– e aqui um canto da boca se contorce, com escárnio –
quando aparece o assaltante.
- Es-tu-pra-dor, soletra a moça, orgulhosamente.
http://criscamapheu.blogspot.com/2010/09/co-incidencia-parte-2.html

Arquipeleja com a insânia

Meu caro amigo, este foi
um dos melhores presentes que você já me deu,
até porque me fez confirmar uma intuição.

Nem peço perdão pela "heresia".
O laureado Lobo Antunes pode
ser a quintessência da literatura lá pras suas
cachopas. Pra mim... daqui das profundezas
da minha santa ignorância, e estribada
no assumido preconceito...
acho que ele é "tipo assim" um Marcel Proust
lusitano, isto é, um pé no saco. Ah, você
adora o Proust? Eu até hoje lamento
o tempo perdido com ele.

Se calhar, quem sabe topei justamente com o livro
mais "difícil, profundo, hermético" do escritor.
Vai ver não tenho é um pingo de cultura,
erudição, sensibilidade para conferir
o devido valor a esse caviar literário.
Deus me conserve assim.

O que me intriga é a crítica botar o Lobo Antunes
na mesma prateleira com o Saramago. Mais do que
me intriga: incomoda tanto quanto incomodou
ao lúcido ensaísta da cegueira branca.
Sei não, viu, mas ou eu sou tapada
ou o gajo é um excelente psiquiatra.
Pra você ter uma vaga ideia, nem sei dizer
exatamente o que mais me desagradou: a apresentação
gráfica do texto, a caoticidade das ideias e
sentimentos semi-expressos, ou explícitos de- mais,
ou a evidente intenção de ser inovador,
arrojado, ultramegapósmoderno,
Saramaguiano.

Antes de me acusar de obtusa, leia
esta seção de autoterapia intitulada
O ARQUIPÉLAGO DA INSÔNIA, Ed. Objetiva, 2010.
Duvido que vença 50 páginas.
Se vencer, perceberá, como eu, que
não vale a tinta com que se imprimiu
A Jangada de Pedra - pra citar só um
dos livros mais apaixonantes da Era
do Degelo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Flor dos Pampas

Continuo com Mary et Max na cabeça.
As personagens são intensas, e o enredo é denso mas tratado com delicadeza.
Boas pitadas de humor, mas é uma história basicamente triste.

Faz a gente pensar sobre amizade, sofrimento, solidariedade, preconceito.

O filme me fez lembrar de alguns amigos virtuais.
Especialmente de ti, gaúcha, que me chamas de Flortaleza.
Nas minhas crises de "depressinha" releio nossos e-mails
e neles acho conforto.

Embora não nos falemos com tanta frequência quanto gostaríamos,
vez ou outra uma simples frase no MSN nos faz mais próximas
do que muitos amigos, vizinhos, irmãos. Se o computador não
servisse para mais nada, só por isso já valeria a pena
enfrentar todas as aporrinhações que ele traz.

Um dia ainda vamos tomar aquele chimarrão com rapadura.
Abração.

Olha o link oficial:

 http://www.youtube.com/watch?v=mSSCIqsvQK4&feature=related

domingo, 5 de setembro de 2010

Mary et Max

Um "hino à amizade", pra dizer o mínimo.
O filme assiste você.
E te deixa em estado de choça, ou de graque,
(estado de choque + estado de graça, ou versa-vice)
No final, você vai entender o neologismo idiota.
Siga o link e veja um trecho:


 http://www.youtube.com/watch?v=mSSCIqsvQK4&feature=related

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Dê pitaco


Uma amiga encontrou essa jóia num Antiquário em Sampa
e me enviou de presente de aniversário. Tirei várias fotos e vou postar de vez em quando pra ver o efeito.
A que ficar mais bonita vou adotar como marca do blog, porque a que figurava antes era da web. Esta que aparece hoje no frontispício (lá em cima) eu consegui colocando o camafeu sobre o fundo de um incensório de pedra-sabão e dando efeitos na camera digital. E esta aqui ao lado foi sobre uma almofada de cetim branco. Se você está entediando e não tem o que fazer de madrugada, me ajude a escolher. Aceito pitacos, sugestões, bedelhos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lido na Web

A vida não deve ser uma viagem para o túmulo,
com a intenção de chegar lá são e salvo,
com um corpo atraente e bem preservado.
Melhor enfiar o pé na jaca
- cerveja numa mão, tira-gosto na outra -
muito sexo e um corpo completamente gasto,
totalmente imprestável, sob o epitáfio: VALEU!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ao Alano

Não é paisagem o que recobre os campos,
Mas o tempo,
Que tudo enfeita, matiza, traduz.
Não é saudade o que oprime o peito,
Mas o tempo,
Que nos ironiza, espreita, seduz.

Não é o tempo do Eclesiastes,
Em que pra tudo há o momento azado,
O fio condutor da vida;
Não é o tempo da ciência,
Milimetricamente cronometrado,
Nem o tempo da fé, cega ou amolada
Nem portal de boas-vindas
Nem ruela sem saída.

Esse meu tempo é uma sala escura
Só com o lado de dentro
E janelas emperradas.
A paisagem lá fora é uma sucessão
De corredores iluminados
Por luzeiros hesitantes: o amigo
Que pensamos ter,
O amor que ousamos perder,
A morte que sonhamos merecer.

Deriva

Soçobram meus navios
E eu sem praia já não posso vê-los.

Só sobram-me uns rios
As velas rotas do corpo
A vertigem dos apelos
E os meus sonhos marinheiros
Perdidos nalgum mar.

Rotas as velas do corpo
As rotas e o porto
Te revelam: velas
O desconsolado pranto
E desconsola a dor
De não saber quem mais perdeu,
Tu ou eu.

Só sobram desvarios
E desse nunca-mais-te-ver
A grande dor que deu
Porque foste, sem saber,
A parte de mim que mais morreu.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tenho pra mim que sei lá

Houve um tempo quando eu era metida a espírita.
Durante muitos anos, li tudo que pude sobre o assunto,
fui a sessões, mesa branca, recebi passes, assisti a muitas palestras. Não sei se por mera curiosidade, se por uma enorme vontade de "crer" nalguma coisa. Não importa. O que vale, o que ficou dessas leituras e experiências foi o benefício da dúvida que dei a mim e à doutrina.A Doutrina Espírita me tirou as poucas e rasas "certezas", e me atenazou os milhares de dúvidas.

As dúvidas - acerca de tudo - persistem; as poucas
certezas se extinguiram. O respeito por pessoas
da estirpe de Chico Xavier, não tenho como negar.

Vivi na pele muita coisa "estranha", que um observador tendencioso chamaria de "fenômenos sobrenaturais". Mas quem sou eu pra dizer o que é ou não "natural"?
Conheço todas as "leis" da natureza?

Tenho profunda admiração pelo matemático e pedagogo poliglota (entre outras coisas não menos importantes) Denizard Rivail, vulgo Alain Kardec, uma das mentes privilegiadas do século dezenove. Daí a assinar tudo que ele diz...
vai uma distância - não tão grande quanto eu gostaria.

Se eu tivesse uma "religião", uma crença firme no "Eterno"
ou coisas que-tais, seria embasada na doutrina espírita,
estejam certos disso. Não só porque prima pela lógica,
mas principalmente porque foge do fanatismo.

Hoje, dada a "circun-navegação" em que [literalmente] derivo...
não sei mais nada, ou melhor, sei ainda menos do que sempre não soube.
Isso é bom, acho. As certezas são perigosas, e A Dúvida é tudo o que temos de concreto. Ao menos isto eu aprendi, nesta "longa jornada em busca de mim".

Fato, mesmo, só que, sob alguns pontos de vista, estou viva.
E que um dia essa sopa vai acabar. O resto... iê-iê!

Mediocridade

Devido à hesitação em pintar certas pessoas como vejo,
e usar cores pastéis, ao retratar, por exemplo, a família,
um amigo vive me lembrando que é com bons sentimentos
que se faz péssima literatura. Na verdade o que Gide disse foi: “Já escrevi e estou sempre disposto a voltar a escrever o seguinte, que se me afigura de uma evidente verdade: «É com os bons sentimentos que se faz a má literatura»; nunca disse, nem pensei, que só se fazia boa literatura com maus sentimentos.”

Seja como for, se depender de maus sentimentos e pensamentos, algum dia serei considerada genial.

Evidente que é gozação – mas não sei até que ponto.
Minha única “certeza” a esse respeito é que se ainda não pintei minha guernica foi por pura vergonha. Como expor tanta sordidez? Este pudor, sozinho, já me condena à eterna mediocridade. Imagine-se então que será dessa “literatura” se ao pudor juntar-se a indigência criativa. Melhor seria esmolar à porta do templo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Augusto dos Anjos

[...]
Porque o amor, tal como eu o estou amando,
É Espírito, é éter, é substância fluida,
É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando!

É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

B-day

Dizem por aí que o pior daquela gripe perigosa
era o medo que se tinha de a China toda espirrar
ao mesmo tempo - e deslocar o eixo da Terra.

Pois saibam que tive esse medo
no meu aniversário, ontem, tal a quantidade de gente
usando toda a parafernália tecnologica já inventada
pra falar comigo. Toda não, minto: faltou sinal de fumaça.
Mas teve rádio-amador e manuscrito.

Tá certo que num teve festa, mas foi melhor.
Cada presente de fazer inveja à Rainha de Sabá
quando visitou Salomão (foi ela?)

Prosaica e afetuosa ligação do meu amor,
na hora do cafezinho entre uma reunião e outras.
Meu primogênito, a quatro mil quilometros, de madrugada,
na webcan, com cara de sono.
Um Amigo de ressaca,um entubado, um de mal com a mulher,
um de pé engessado e outro que aproveitou a desculpa
pra fazer as pazes comigo.
Tinha nego na fila do check-in, na livraria, no taxi.
Na praia distante, comendo siri-mole.
Na prancheta, arquitetando abrigos pra vaidades inconfessas.
Teve abraço de quem eu não via há muito tempo.
Dois que não bebem em bar, bebendo no bar comigo.
Tio querido direto do planalto central.
Trinta quilos de mimos lusitanos, de amigos virtuais que
se materializaram bem na frente do meu queixo caído.

Teve quem marcasse meia-noite no despertador
pra ser o primeiro a dizer: meio século, né, baranga.
Teve quem se abalasse de longe pra me dar um Veríssimo,
dois dias antes. Quem trouxesse velas artTESÃOnais
cheirosas e lindas de morrer,
e perdesse meia tarde carregando fardo meu.
Teve carradas de abraços e beijos
facebookeados e orkuteados.

Não queria causar inveja, mas dou o
golpe de misericórdia. O maior musico da cidade
chegou morto de cansaço, balbuciou um Aí, beleza?
Arriou no sofá e roncou a trilha sonora mais linda
que já tocou num aniversário meu.
Resultado: foram tantas emoções, e fiquei tão cansada que
a "festa" quase vira velório...rs

Amar é

Sentir que nossa felicidade
é um insulto, se o outro
está de luto.

A Voz

Não chega a ser Inferno.
Paraíso, nem pensar.
Mas salta as raias do purgatório
– e a imagem é muito amena.
Imagine amar alguém des-esperando,
porque não é racional esperar,
não é possível nem viável, não é inteligente,
porque não tem concerto nem nunca terá
porque não faz sentido.
Imagine ter vergonha desse amor,
e quase sempre orgulhar-se dele,
mas às vezes enojar-se, até que a náusea
se transforme no mais abjeto pernicioso deletério Asco.

E no meio da noite sentir que a mão pesada do Nojo
detém o curso da Ternura, antes que ela sulque a face
e deslágrime na ponta do queixo, ou adentre o Olvido.
Na primeira réstia de luz, saber que aí vem
mais uma golfada de espaço-tempo
goela abaixo, e ao poucos nos afoga uma maré
de Nada e Nunca, pra Sempre.
Ao pé de tudo, a Vida corre - ou rasteja?

Besteira. Se há quem faça disso poesia, não serei eu.
Tentava distrair a mente, o corpo, a alma,
cada pedacinho de mim tentava desviar dessa agonia,
o cilício de veludo que é o Silêncio.
O meu silêncio, a assustadora, lancinante presença
de todos todos todos os sons que me cercam,
psicodelicamente.
Um silêncio cujo zumbido surdo e intermitente
oprime,angustia, atordoa.

Respondi e-mails, conversei no MSN.
Fiz um lanche. De repente o telefone.
Voz querida, bem-vinda, oportuna.
Mas não a "minha" voz.

Aí caiu a ficha. Esse silêncio que esmaga.
Essa urgência de viver, a angústia de não morrer.
A desimportancia e inutilidade de tudo.
É que me falta A VOZ.

Anacrônica

Hoje um amigo deprimido
me ligou pedindo colo, e eu tava num
barzinho aqui perto
dando colo a outro amigo deprimido.

Que diabo esse povo faz pra cair em depressão?
Já tô começando a achar que estou fora de moda.

Será que é tão complicado ser feliz, mesmo
afundado na tristeza até o pescoço - pensei.

Aí,de repente chegou um cara grisalho,
meio gordinho, com uma sanfona e um amigo
no pandeiro. Haja Luiz Gonzaga, e eu fiquei
tão leve ouvindo aquelas músicas antigas...

Talvez me falte profundidade, filosofia, consciencia crítica,
essas coisas que gente "culta" acha importante. Sei lá.
Só sei que ainda gosto de estar viva,
de comer buchada de carneiro com caipirinha,
ouvindo forró de verdade.

E a democracia, a política educacional, a previdência,
o sistema carcerário, o tráfico de drogas... que se danem.
Passo muito bem sem me preocupar com eles, obrigada.
Deixem-me curtir minha doce alienação com molho tártaro e
bolinhos de queijo.
Não estou a fim de ir a Durbai.
Não preciso de outros diamantes que não sejam esses,
brihando bem aqui diante de mim, na boca do meu amigo.
Iates, safaris, conta nas Ilhas, perfume francês, roupas de grife.
Tudo que preciso é de amigos por perto, contas em dia,
caranguejo com farofa, filho com saúde.
O resto é amor correspondido.
E de utopia eu tô é farta.

OFÍCIO
Para Crisca

parece quando falas
que vens de terras longínquas
tens uma certa linguagem
entrecruzar de línguas

falas do que falas
como quem cala
segredos
de faca
de ponta
responsável bisturi
de corte preciso
conciso

tua palavra somato-resvala
arde na epiderme
rasga carne
quebra ossos
tua palavra não cala
traspassa

de tantas línguas que dizes
por estrangeira a tua fala
tua palavra
trapaça

aprendiz das línguas que falas
mais que aprendiz
me deixo fazer nas palavras
que lavras

como falas
o que falas
agora
o falo

MERATRIZ.

Ema Besar, poeta cearense

São Paulo revisitado

O Amor não tem adversários.
Padrões. Inimigos.

Explicações.

O Amor não tem cor.
Forma, Textura, Sabor
definidos.

O Amor não possui.
Não toma. Não usurpa. Não exige.
Não constrange, não limita,
não evita, não predispõe,
não intimida.

O Amor não admite a maioria dos
verbos auxiliares.
Não está onde queremos,
não permanece quando esperamos,
não existe porque o pedimos,
mas se o damos.

O Amor simplesmente é nosso
- Se dele somos -

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Meus amigos d'Além Mar

Passei o dia com quatro portugueses
que visitam o Brasil pela primeira vez.
Conhecemo-nos pela internet, há pouco
mais de um mês, mas com meia hora
de conversa já eramos amigos de infância.
Que gente adorável.
Trouxeram-me tantos presentes que precisei
de ajuda para carregar. Coisas não somente
caras, mas preciosas, delicadas.
Mlionários sim, mas de Boa Vontade.

Agora imaginem vocês o meu vexame
com a acolhida que tiveram em Fortaleza.
Para começar, quando meteram a chave
no apartamento, meus amigos deram de cara
com dois rapazes "namorando" na cama de casal.
Nada contra eles, evidente, mas foi uma bela gafe
pra um Hotel 4 estrelas na Beira-Mar.
Refeitos do constrangimento, e remediada a
situação com mil desculpas e tal,
passamos o dia nos divertindo, com rendas
e badulaques, caminhadas, camarões e muita risada
das piadas de português - e de brasileiro.

Educados, comentaram uma única vez,
o incidente no hotel, como falha admistrativa.

Aí, enfrentaram com elegância os preços exorbitantes
e a falta de qualidade dos serviços, dos produtos, de tudo.
E o descaso das pessoas em geral, a falta de ética.
De honestidade, presteza, higiene, educação.

Meus novos amigos,nem uma palavra desagradável.
Sempre sorridentes, humilhantemente gentis.
E eu que sempre tive tanto "orgulho" de ser brasileira...
fiquei com a cara tremendo. Colonialismo o carái.
Vocês também teriam morrido de vergonha.

sábado, 14 de agosto de 2010

Temeridade

Publicar é uma temeridade. Consola-me
saber que quase ninguém tomou conhecimento
ainda. Até porque não sei que serventia pode
ter um blog assim, por isso evito divulgar,
exceto entre os amigos. Não passa de um amontoado
de devaneios, cartas, jogos de palavras,
pseudopoemas pueris, nada de especial.
No diário de muitas adolescentes do século
XIX havia textos mais substanciosos.
Mas enfim... engana o tédio,
já é alguma coisa.

Sangria Atada

Que vale o amor se não germina
E de seus ramos não sorvemos
Sombra e fruto?

Que vale o amor quando se esquiva
E de nenhum sol faz proveito
Num eterno luto?

Amor trancado no peito
Que não salta as entrelinhas
Não confunde ou angustia,

Não consola e não liberta,
Não urge, não alivia,
É sangria atada.

Amor assim é solo de caatinga,
Poço seco, folha ao vento,
Nada.

Balada dos Escolhidos

Há portas abertas para todos os destinos
Mas uma só estrada bipartida
De que a intervalos de medo
Palmilhamos depressões e cimos.

Pesamos como a trave nos caixilhos
De janelas que dão pro Sonho
Ou nos quedamos lassos, desde ontem,
Nauseados, na grade e no tombadilho
De um navio cujo rumo ignoramos
- O timão a cargo de Caronte.

Tenebrosa calmaria nos navega
- Ou nos deriva –

Ou o vento enfuna a vela
Da tormenta, e nos abriga.
Somos o Fardo, e provisões apodrecidas
Nosso hálito incomoda qual remorso
Da que por vaidade aborta
Ou a lâmina afiada nas línguas de fogo
Da lareira morta.

A ausência de tudo nos chamusca a pele
Embala-nos a voz de uma paixão imbele
E nosso jugo não é leve:
A todo custo, permanecer.

Até aonde alcança a vista baça
E de onde quer que se perscrute
Todo que enxerga pode ver:
Nem curso d'água nos perpassa,
Nem sede nos assusta,
E ser feliz é quanto basta Ser.

Somente o Grande Nada é concreto,
Esboçado na cal viva dos presságios:
Ao largo de caravanas e adágios
Gozamos os oásis de todos os desertos
Até a vista escurecer.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

1026

Ao que morre, Amor, basta-lhe tão pouco:
Um copo d'água para a sede
o rosto discreto de uma flor
realçando a parede,

A lágrima do Amigo, talvez um leque,
E a certeza de que ao menos um ser
No arco-íris não verá mais cor
Depois que ele se for.

Emily Elisabeth Dickinson

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Taí

Você disse que só comenta
texto publicado.
Taí. No mínimo uma postagem todo dia,
textos novos e antigos.
Mais público, impossível.

Esboços

Perdi esboços de mim
No que me fizeras
E soube então que o amor
Que me sentiras
Não cresce nem atrofia
Somente porque existiras.

Os olhos me silenciaras
E as paisagens internas povoas
Em raras melodias – e perfis.

Não me abranjo: ocupo de mim
Os só-espaços em que me fugiras.
Se hoje vens eu não te desdenhara
Como um dia fiz.

Gaiola

Eu posso ser feliz assim
Inda que me falte a liberdade,
Dizem de mim.
Água fresca e gergelim
Semente de girassol
Inda que me falte o arrebol.

Eu bem que estou seguro aqui
A salvo de rato e de felino
E da maldade dos meninos
Que andam pela aí.

Mas é que eu preferia a sede
A fome e os perigos – tantos –
A viver assim chorando nesse abrigo
De quem pensa que isto é canto
E canto para lhe agradar.

Eu bem queria era poder falar
E dizer a esse protetor infame
Que eu não tinha plumas, mas arame,
Se não fosse feito pra voar.

Nocaute

Dia desses escreveu tô com saudade, e que se dane o resto,e ainda há pouco me ligou:
- Oi. meu peito virando o Grand Canyon, as pernas, geléia
- Oi. que ele pode me dizer que eu já não saiba?
- Como tatu? que saudade eu tinha dessa voz!
- Indo. mais de dois meses sem esse abraço!
- Não aparece, não telefona, só fala comigo por email... como faço pra essa conversa durar?
- Tu acha pouco, email? preciso achar um jeito de fazer ele falar mais...
- Acho. Num quero mei, quero inteiro. finge uma leveza que não sente.
- Tu tem, inteirA... maldito nó na garganta!
- Eu sei. Mas quero te ver. nunca pensei um dia ouvir isso com tanta urgência
- Dá não, ó. Fazendo jantar pro meu filho e a namorada. bendito talento pra mentir sem gaguejar
- Hoje é aniversário da Maria. ai que lindo, inventando pretexto pra não desligar...
- É mesmo? vou ligar pra ela. Preciso me sentar, preciso beber água, preciso de um cigarro!
- Tá. [...] Então tá. silêncio constrangido
- beijo.
- Outro. garra gelada no peito. Cigarro pra disfarçar. Ninguem pode perceber que eu morri faz tempo.

Dez minutos depois:

- A-lô. digo com enfado. NUNCA pensei que ligaria de novo
- Vou te buscar. respira tenso; teme que eu recuse, teme que eu aceite, já se arrepende de ter ligado
- han? meu coração correndo em lava, no Grand Canyon escavado na primeira ligação
- Tô indo te buscar pra tomar um vinho aqui. diz de um fôlego só, pra me deixar sem graça de dizer não
- Aqui onde, na tua casa? agora? meu deus, meu deus, meu deus! num suporto mais ficar sem vê-lo!
- É. Agora. impaciente, inseguro, de saco cheio de mim
- Quem taí? pergunto, já sabendo a resposta, e a impossibilidade de suportar a dor de saber
- Eu, nosso filho, e... você sabe... doido pra exibir a felicidade, coisa compreensível, mas sei q não suporto ver
- Pois é. Tu sabe q eu não vou, pra que chama? meio-silêncio hesitante, doído, de ambos os lados do fio
- Ah, tá, num sabia não. Desculpe. lamento ser feliz, e vc não, fazer o quê?
- Sabia, sim, tá lá nos emails. Pensei q tinha entendido.. garganta fecha, lava vira geleira desabando
- E eu, pensei que NÃO tinha entendido. Sem traumas...desanimado, triste, frustrado.
- Beijo.
- Outro.peito congela

E o fundo musical era:

...Vida, vida, vida!
Seja do jeito que for
Mar, amar, amor
Se é dor, quero o mar dessa dor!

Revirando o baú

É, vou indo. Não sei por que, mas alguma coisa mudou.
Pra melhor ou pior, também não sei.
Olhando bem, nada é diferente.
Olhando de novo, está tudo igual.
Continuo no mesmo tempo, espaço, ocupando as horas com
os minutos e os minutos com os segundos, cada um deles
pesando como chumbo.

Mas já não dói tanto - seria impossível
suportar. A gente acostuma com tudo.
Quando cheguei da praia tinha um recado dele.
Respondi com a antiga leveza, como
se os ultimos dois meses não existissem.
Melhor assim. Entre nós não deve não precisa
nem pode haver distância, além da geográfica.
Nem digo "física", porque nunca o senti
fisicamente longe. Nem mesmo agora.

Mas parece que pra ele já está de bom tamanho.
Posso "sentir" daqui sua impaciência.
Nem toda a felicidade do mundo pode fazer aquela criatura
se conformar de querer e não poder - seja um picolé,
um contrato, um perfume, ou o abraço
de um amigo - quando e como quer. Chega a ser
engraçado. Que urgência é essa de me ver?

Claro q estou, não morrendo, mas vivendo de saudade.
Mas resolvi nunca mais depender de um abraço.
De uma presença. Resolvi me bastar - já não era sem tempo.
Minha porta já não está escancarada pra ninguém.
Os amigos tenham comigo a consideração que sempre
lhes dispensei: telefonem antes de me visitar, pra ver
se estou em condições emocionais e com vontade de
receber visitas. É o mínimo respeito que uma mulher quase
menopáusica e com uma doença incurável merece,
né não?

Tardiamente

Claro que me arrependo.
De mais coisas do que gostaria de lembrar.
Só tento não afundar em autocomiseração.
Eu disse "tento", não disse que consigo.
Me arrependo de não ter mordido essa minha língua
de trapo em milhares de ocasiões.
De muitas vezes não ter tirado os olhos do meu umbigo,
quando à minha volta havia coisas vitais
- e eu deixei passar.

De ter amado mais com a mente do que com as
vísceras.De ter me irritado mais comigo e menos
com algumas pessoas. De não ter cuidado melhor do meu filho,
não ter lhe dado mais chances de ser melhor que eu -
imagine onde ele chegaria!
De ter me exposto a tantos vexames e temeridades.
Puxa vida, essa lista não tem fim.
Agora... é esperar que falte energia,
pra o ventilador parar de espalhar
o que joguei nas pás.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bolor

Me assusta esse veloz da vida,
A ciência de ser carne e sonho
Por legado transeunte.
Passeia o tédio nos jardins platônicos
Na cozinha de Villa-Lobos
E nos becos londrinos
Impregnando de bocejos
As caves da mente.

Além, o domínio fictício dos espaços
A bruma da Arte nos painéis do Novo
O Moderno e a Modorra, embolorados.
Ah, o caráter sem-rédeas do Tempo!

Aqui e ali, entediados, dormitam
Os cocheiros do Ócio
E em longes latitudes
Coçam-se as costas ao paxá.

Dançarinas esvoaçam, pairam e revoam
Em torno de uma idéia pálida
E assusta o fantasma desenluvado
Da matrona sem brasões
Em meio às ancas de meninas-putas
A espargir orgíacos odores
Em festins antigos como a castidade.

Nas sacadas dos prédios tombados
Não há um único pássaro,
Uma demão de polidez;
Me assusta a solidão dos prédios,
E sua concretude.

O Tédio não, esse já não assusta
E a Solidão não mete medo:
Coabitamos, pachorrentos,
Tecendo longos comentários a respeito.
Gosto deles: não pedem silêncio
Quando desvario,
Não me chamam louca se emudeço –
Não se dão a intimidades.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Classificados

Meu reino por um vassalo 
Meu treino por um cavalo 
O peixe por um anzol 
O ventre por um rebento 
A vida por um alento 
Os olhos por um farol 

O peito por um fuzil 
O leito por um cantil 
O sangue pra quem o estanque 
Minhas mãos por um ancinho 
As pernas por um caminho 
A voz por um palanque 

O asfalto por um rosal 
A fé pelo Santo Graal 
A mente por um par de asas 
A lucidez pela Beleza 
A paz por uma única certeza 
O paraíso por morrer em casa; 

O eterno por um instante 
A boca por uma chance 
E o futuro pelo olvido 
De tudo que hei sofrido. 

domingo, 1 de agosto de 2010

Eros Perdido

Tem os pés fincados num charco
De virtudes colossais
Mas os braços se lhe ataram
A um cipoal de nuvens em que oscilam
Perversões abissais.

Brotam-lhe asas dos artelhos
Pesam-lhe tufões pelos jarretes,
E no casulo do peito
O coração engendra o templo
Onde os olhos vidrados
São janelas rasas e invertidas.

No pátio sem fontes
Cupido jaz petrificado
Entre o limo e o arco retorcido,
Espetado em sua própria seta.
O Amor olhou pra trás, e entre as ruínas
desse templo perdido
Seixos de vaidade para sempre rolarão
A transmutar em sal seu coração.

Exílio I

As lembranças de ti
São sentinelas a postos
Me atravancando as saídas.

Tenho as pontes vigiadas
por fileiras de remorsos
As torres sitiadas pelos meus mortos
Queridos - são minhas fronteiras.

E porque os amo tanto,
Até me apraz que já não vivam.
É preciso dormir para encontrá-los
Distinguir ausência de calor e frio.
É preciso adormecer pra divisá-los
E as retinas clamam por Estio.

Ergo paliçadas e vigias
Lubrifico bacamartes e gazuas.
Vejo mãos em meu socorro –
-elas brotam das trincheiras
Mas não são as tuas.

Pontual

A morte sobrevive de romper
as nossas veias
E escandalizar o nosso medo.
Retalha a carne do Ser
E a mancheias
Espalha os nossos segredos.

A morte tergiversa,
Ilude, sofisma,
Enquanto nos devora.
E tem o maldito costume
De não perder a hora

Lume

A alma tem asas
Mas suas patas pesadas
Patinam no lodo do ciúme.
Trago-te o círio dos desejos
Desatentos: vacilante lume.

A Morte é ágrafa, mas tem alma erudita
Poliglota, e mestre de retórica
Mas pra ironizar não rima
E só usa a minha língua.

Foram tantos os acenos
Que entre nós
Já não cabem despedidas
No dobre dos adeuses
Antes e depois
Somos sempre sós.

sábado, 31 de julho de 2010

Procura-se III

Persigo Escultura em pedra-sabão,
Receita de bolo ou de tarja-preta genérico
Susto no asfalto ou no teleférico
Mapa astral, mapa rodoviário, pegada de dinossauro,
Um gibi, uma tirinha, um mangá,
Um ponto de umbanda, uma lenda,
um trecho da Torá,
Uma página do Kama Sutra ou dos Vedas,
Um versículo da Bíblia que não seja Paulo,
O Caminho das Pedras.

Aceito quadro estatístico, gráfico, tabela
Depoimento, título protestado, testemunho caviloso,
– De Roma, Brasília ou Sobibor –
Um post de blog em dia,
um arquivo corrompido
Consulta do I Ching, simpatia,
superstição, repente,
Discurso encomendado, parecer tendencioso,
Jogo de búzios, runas, tarô, quiromancia,
Santinho de político decente,
Um ditador popular, um clichê, um jargão,
Um boato, um plágio, uma heresia,
Um pára-choque de caminhão.

Jurisprudência, precedente, boletim.
Cachaça, tisana, licor.
Cigarro, maconha, narguilé, promessa,
Tiro de festim.
Venha de Verona ou do Arpoador
De Itabira, Bombaim ou do Morro do Dendê
Qualquer coisa que eu esqueça
Amar você.

Procura-se II

Procuro Coisa semelhante, ou desigual.
De qualquer estilo, gênero, forma, cor
De qualquer raça, partido, facção, tendência.
Não importa autoria, Escola, teor
Nem quanto custe.
Uma crítica, uma trapaça, uma mandala.
Um despacho, uma citação, uma ordem de despejo,
Um embuste, uma pintura, uma carta de penhor,
Que lembre esse amor.

Procuro xilogravura, mas pode ser hieróglifo.
Aceito papiro, pergaminho, manuscrito do Mar Morto
Pintura rupestre ou daguerrótipo
Ai, um mero rabisco, um desenho a bico de pena!
Bilhete em guardanapo de papel, bilhete premiado,
Passagem de vôo cancelado, terrorista em fuga no Natal,
Nota fiscal sem preço,
Matula de romeiro, rubrica no gesso,
Casco de tartaruga morta no desastre ambiental,
Garatuja de banheiro
Feita com dedo sujo de cocô,
Chip de celular vazio, HD infectado,
Apito atrasado – de trem ou de vapor -
que revogue esse amor.

Procura-se I

Eu procuro uma canção
Poema, conto, romance, crônica.
Um artigo, um ensaio – pode ser fotografia –
Reportagem, documentário, curta, longa,
Mudo, falado, colorido ou preto e branco,
Digital ou analógico. Pornográfico. Sutil.
Película, videoteipe, concreto ou virtual.
Texto romântico, cínico, pernóstico,
pós-moderno ou démodé
Que não lembre você.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ressurreição Geral


Vai chegar um dia que a terra vai tremer
Pardais e curiós vão se esconder
Vai tudo escurecer
E o tempo vai parar
Do chão como ilusão mil corpos vão brotar
Depois vão caminhar
Bêbados pendentes
Vestidos em farrapos de indigentes
Defuntos penitentes, formando um batalhão.
Na frente, ratos vivos pra guiar a procissão.

E vão formar um coro pra gemer em tom maior
E vão mostrar pros vivos que viver inda é pior
Um bando de zumbis vai confessar a podridão
E todas as mazelas dos viventes desse chão

Vão desfiar segredos que os mortos sabem de cor
E o medo do que é vivo se fazer muito maior
Tantos pecadores vão rogar a salvação
Vão implorar chorando seus cem anos de perdão
Aí a morte viva vai voltar pro seu lugar
Zombando do remorso e medo dos que vão ficar
Deixando atrás de si um ar pesado de pavor
Nas ruas saturadas de verdade e de fedor.

Luis Sérgio Bezerra de Morais

Meu amigo Clown


Daria um trabalho danado
procurar razões pra não amar
Teus defeitos saem facilmente no photoshop
Tem o coração maior que a barriga
Consegue ser engraçado sem ser ridículo
Nunca desvia os olhos quando fala comigo
Você me confia tolices, sonhos, inseguranças,
portanto posso fazer o mesmo sem frescuras.
Você ri comigo, mas não de mim
e tem um sorriso arrasador
Nossas pequenas discussões
sempre acabam em gargalhadas
Você mente pra me agradar,
eu finjo que acredito
pra não te deixar sem graça.

À Ana Vidal

Ó mar salgado! Quanto de teu sal São lágrimas de Portugal!
F. Pessoa

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cilício

É como se o teu Silêncio
No adro do meu Ser pintasse
Afrescos de um Jardim de Delícias
Para sempre por terminar

Teu Silêncio
É a mais obscena das carícias
Mas desconhece a sintaxe
Da minha Língua afoita

Logo, o cilício desse olhar desvia:
Não desapontes o sagaz mamilo
Que pela fresta do Cetim te espreita.

[Plagiando verso de um poema lido weblhures.
O autor, por gentileza, me desmascare: perdi o link].

terça-feira, 20 de julho de 2010

Margens Fictícias

Quantas vezes pensei que a Paz tinha chegado
Quando a Paz estava longe
Como o náufrago, em pleno Mar
Pensa que a Terra avista
E redobra o ânimo, para logo constatar,
Tão desesperadamente como eu
Quantas margens fictícias há
Antes do Ancoradouro.

Emily E. Dickinson

Zélia Gattai teve sorte

Um amigo me enviou texto da Zélia Gattai.
Verdadeiro elogio ao homem de quarenta,
e menosprezo ao supostamente imaturo barriga de tanquinho

Bom texto. Sensível, elegante.
Mas meio utópico. Não digo que
o homem pintado pela Zélia não existe,
mas sabemos que existem também - e principalmente -
os quarentões asquerosos,que se acham
Porque têm dinheiro, status, ou porque são idiotas mesmo.
Quarentões que se vestem como se tivessem 20,
e dão cantadas infames em meninas que poderiam ser suas netas.

Tem os que bebem e dão o maior vexame, ou ficam
violentos. Tem os que não param de falar em si mesmos,
ou de futebol, trabalho, e tratam mulher como privada..
Basta ter opinião própria e não engolir traição de todo tipo,
pronto: é vagabunda. Ninguém se iluda... Ainda é assim.

Tem os quarentões fisiológica e espiritualmente
apressadinhos, que se acham muito machos, e ainda
querem que a mulher pague a conta.

E pra não dizer que não falei das flores,
tem os que aproveitam qualquer tempo livre
para seus casinhos homossexuais, passivamente.

Homens como a Zélia Gattai descreve são raros;
contam-se nos dedos das mãos - e ainda sobra dedo.

domingo, 18 de julho de 2010

Talento

Qualquer idiota consegue ser jovem.
Precisa muito talento é pra envelhecer.

(Sei lá quem disse)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mudez

Se nos faltam palavras,
estamos irremediavelmente sós,
mercê do destino - ou da morte -
que diferença?

Mas sei de solidão maior.
É quando, mercê das palavras,
Não há uma só que nos conforte
ou nos convença.

Saudade

Um dia
Olhos pisados de não me ver,
Vai procurar
Ao menos um dos meus abraços
e não vai ter.

Na chuva que lava as calhas
Do lar que se deu
E sem querer me abrigava,
Sua dor vai se perder em espirais
Mas não eu.

No rastro prateado
Que a lua desenhar na grama
Na varanda, no bar,
No vitral perto da cama,
Nada de mim restou.

Não me procure no espaço:
Entre a saudade e a dor,
Nada fiquei.
Vasculhe o peito
No tempo que me viu amando
Foi aí que me deixei
E ainda Sou.

Guardanapo de bar

Vive hoje em mim
a criatura necessária.

Nem desespero nem êxtase.
Aos poucos me torno quem
me quiseram -
Confortável,cordial.

Quanto custa, ninguém está interessado
(por que estariam? )
"Arroubos" devem ser argamassa literária,
não entraves no caminho alheio.

Sempre tão pouco me pediram,
Quase nada me esperavam.
E eu me dando a mais...
Bobagem.
Ninguém nos quer inteiro, ninguém precisa
tanto de nós. Nem nós. Nem eles.

Tão simples viver.
E eu demorei séculos pra entender.

Ora Pro Nobis

Uma, duas, três beatas
Solenes e contritas
Dedilham os terços bentos
Embebendo os beiços murchos
Em chumaços de oração.

Criaturas compassivas
Essas filhas de Eva:
Conduzem os sacramentos
Nas luzentes sapatilhas
Entre os tacões e as palmilhas
Estofadas de algodão.

Uma tem o passo firme,
O dedo em riste,
A fustigar nossas feridas.
Duas vêm e vão à missa
Catando pelo caminho
Ovelhas perdidas.

É um Trio caridoso.
Diligente, legítimo "sacrário".
Não cospe, não fia e não jura
Não rouba, não come e não mente
Não dorme, não urde e não trama
Sem cumprir o seu rosário.

Delírio

Não sei o que o amor faz de mim.
Foge-me tudo quanto sou,
O espelho não me reconhece.

Não gosto de quem sou, amando.
Sobram-me braços e dedos,
E fujo ao alcance
Dos meus próprios medos.

Mas sei o quanto te superas
Para amar-me
Sei o quanto te burila a alma
Esse gostar de mim.

É sagrado o nosso amor
Como se eu fosse tudo
E o mais não contasse;
Como se não houvesse fim
E pudesses ir comigo
Aonde eu me lançasse.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Palavras

É um auto-retrato
O que esboçamos pela vida
- Na tela áspera da vida -

Alguns com argila
Outros com pincéis e tintas
Sulcando a pedra ou ferindo a madeira,
Desgastando o ouro, fundindo outros metais,
Vão esculpindo a própria mente.

Eu colho palavras ao vento,
E as peneiro escolho viro e reviro contra a luz,
Aperto-as contra o peito, ergo-as sobre a cabeça,
Embalo-me em sua sonoridade
Ritmo canto de sereia.

Há umas de que aparo arestas e modelo,
Desgasto afago limo firo sofro e suo,
Como o monge bilaquiano.

Muitas já me chegam deturpadas
Ou vazias de sentido.
Outras, preciosas de alta linhagem, plenas
Do que preciso dizer.
Umas poderosas outras frágeis
Impotentes na expressão
Do pensar ou do sentir.
Mas sempre erradias viscosas
Inefáveis voláteis como a Idéia.

Infeliz de quem acredita
Ter sobre elas o mínimo poder,
Há de ser sempre humilhado.
Pensamos ter-lhes captado a alma
E eis que mostram outras facetas,
E aparecem novas, absolutamente inusitadas,
E nos sorriem, cínicas: ou nós as digerimos
Ou elas nos devoram.

Palavras são o meu pincel
e as tintas, e a paleta.
É todo de marmóreas palavras
O meu Partenon interior, hoje em ruínas.
Trago uma coroa de palavras
Encravadas na fronte,
E no meu rosto escorrem reticências
Que coagulam.

Minha língua é o cinzel
Que jamais engendrará um beijo de museu.
Mas as mãos sussurram, e os olhos silenciam,
Eloqüentes, toda palavra útil.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Edgar Allan Poe

Por trás do muro e da hera
Moramos os sozinhos
E em nosso peito assombrado
Uma viúva-negra tece os dias.

A noite acolhe percevejos
E na sanefa embolorada
Os cupins preparam bodas
Mas não somos convidados.

Um morcego solitário é companhia
Dos ratos, nos porões
Das nossas mentes emperradas.

As traças, solidárias,
Se empanturram de filosofias
Ao pé de hipotética lareira
E na janela surgem mãos
Encarquilhadas

Sequiosas do marfim
Que nos legou avô desconhecido,
As pálpebras nervosas tremem
E as nossas almas putrefeitas
Vão bordar Chopin nas teclas frias.

Brisa amena varre o pátio
Dos pressentimentos
E as sacadas do passado
Encolhem-se de medo.

Crispando as mãos e a vida
Cachos nervosos tricotamos
Nas imaginárias cãs
E as dobras do tafetá vestido
Sem pressa compomos.

Mas já não brilha a prataria
O bule de chá dorme esfriando
E o encanamento range
Nas poucas lembranças.

A noite desce sobre o dia escuro
E tudo o que nos resta
É esse cansaço de não-mais
De nunca mais.

Trama

De sonho e morte é que se faz a vida.
No tear de vagas esperanças
Vai-se tecendo em nosso peito a trama
Com a lã do desencanto.

De amor e medo nos alimentamos.
Na seiva escura dos pressentimentos
Sofregamente a alma se embriaga
Até que o chão nos falta

E restamos sós, sem nenhum tapete,
Penélopes de angústias inconfessas,
À beira de um porto imaginário
Perscrutando o Nada.

Teia

No peito um velho sobrado
de corredor sombrio.
Range a tábua do assoalho
Bruxuleia a parafina,
Os ratos morrem de frio.

Com a saliva dos segundos
Esguia artesã tece segredos
Na louça do aparador.
Talento não lhe falta, nem medo,
Só lhe falta amor.

Indo

Se nos reserva o áspero caminho
Silo que nos farte
E arroio que nos dessedente

Não há saber
Senão seguindo.

Cançoneta

Só se ama uma vez
Diz o ditado
e sem o menor cuidado
o repete o populacho

eu acho
cá com os teus botões
nos meus lacinhos de fita
enganchados
que a coisa mais bonita
é amar sem fazer conta
feito dois encantados

e tanto faz
se é de menos, se podia ser bem mais
se é pouco, se é bastante,
se não vai ser nunca
ou se já é demais

Amor tem que ser pra sempre
e sempre muito aos poucos, e de vagar
Amar só uma vez, e tudo de uma vez
eu não quero nunca nunca nunca
mais

Renúncia

Bem aventurados olhos de quem te adore
E te alumbre o caminho, e vele por ti, contigo chore.
Bem aventuradas mãos que te confortem e acariciem;
Abençoados ombros de aquecer-te,
Ternura bendita, de quem te acolhe,
E benditas palavras que os teus medos aliviem.

Bem aventurados dias de quem contigo more,
Santificada boca que partilhe do teu pão.
Suave sofrimento lhe esteja destinado
E aliviado seja o peso da sua solidão.

Adejem sobre este ser por ti escolhido
Raios de sol e lua que pra nós sonhei
Entoem querubins um canto de amor e paz
Ao amor que não te dei.

Bendirei a alma que a tua alma aqueça
E o coração que no seu peito bate
O que há de Bem, Verdade e Beleza
Proteja o teu amor – ainda que isso me mate.

Fênix

Porque sou nuvem e sou sangue,
E guardo um doce segredo
É que nada me sacia.

Tenho mais nervos que entranhas
Sou mais angústia que medo
Mais solidão que energia.

Matéria-prima de mim
Essa aridez me consome
A me retesar as veias

Eu trago a carne em pedaços
E costuradas na alma
Umas lembranças tão feias.

Me liquefaz a garganta
A sede de abraços
E não têm fim nem cansaço
As marcas que me deixaram
As orgias de santa.

Pois morro assim do avesso
Morro sem verbo e sem plano
Sem um poema decente
Que viva até nunca mais.

As marcas que em mim deixaram
Essas lembranças tão feias
Não têm começo nem fim

Mas sei que a qualquer instante
Não vai haver quem se espante
Se eu renascer de mim.

Crucificação

Eu conheço a crucificação:
Não tocar a pedra rara
Da tua paixão.

Tem um sabor amargo
E não há mel que o adoce
Não poder roubar-te à morte.

Conheço o mais cruel exílio:
Não cantar para o teu filho,
Não dormir no teu abraço.

E de todas as torturas
Sobrevivo à mais infame:
Saber que tu procuras
Quem como eu te ame

Ainda que profane
Esse corpo – tão meu –
Desde que não seja eu.

Adoração

Agradar uma mulher sim.
Mas não só com flor e poesia
Tem que pegar a mão e correr
Ou caminhar a esmo
Pousar o braço no ombro
Sentir medo de perder - e que ela perceba.

Beijar uma mulher, sim,
Mas muito mais lamber com o olhar
Embalar os sonhos, cultivar a esperança
Brindar em silêncio se ela aparece sem aviso
E ficar arrasado se ela chora
Com ou sem motivo.

Nutrir uma mulher sim.
Mas não só de vinho e encanto e abrigo
É preciso saciar a fome de palavras
Espicaçar a curiosidade, fruir a risada
Beber a lágrima na taça do umbigo.

Ame uma mulher - iguaria fina e rara -
Não com a alma só nem toda de uma vez;
Tem de botar no colo, noites a fio,
Tem que sufocar de abraço, de sêmen, de cio
Lambuzar os dedos nos sumos

Arranhar as costas, morder as coxas,
No seu corpo se perder ou achar mais uma vez
a paz, a fé, o porto seguro

Adorar uma mulher...
Sim.
Mas de pau duro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Prosa em dia

Não digo arquétipo
Nem protótipo
Mas proto-tipo
E arque-tipo
- É mais simpático.

Não digo heteronímia,
Mas heteronimía
Nem ortoépia mas ortoepía
- É mais poético.

Só não digo prosodía
Porque aí já seria
Putária.

A Coisa


Bateu A Coisa.
Uns chamam depressão,
outros, carência, histeria.
Eu não chamo –
ela vem à revelia.

Quando bate A Coisa
- quero lá saber o nome -
sei que fico insone,
sei que morde, ronda
invade, espezinha.

A Coisa inunda.
Amesquinha. Escurece.
Consome.
Aí vem o Sol

- bem sei de onde, como e por que -
em forma de Homem
Cego, mas iluminado.
E não há Coisa que possa
contra a vontade de Ser
pra estar ao seu lado.