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sábado, 31 de julho de 2010

Procura-se III

Persigo Escultura em pedra-sabão,
Receita de bolo ou de tarja-preta genérico
Susto no asfalto ou no teleférico
Mapa astral, mapa rodoviário, pegada de dinossauro,
Um gibi, uma tirinha, um mangá,
Um ponto de umbanda, uma lenda,
um trecho da Torá,
Uma página do Kama Sutra ou dos Vedas,
Um versículo da Bíblia que não seja Paulo,
O Caminho das Pedras.

Aceito quadro estatístico, gráfico, tabela
Depoimento, título protestado, testemunho caviloso,
– De Roma, Brasília ou Sobibor –
Um post de blog em dia,
um arquivo corrompido
Consulta do I Ching, simpatia,
superstição, repente,
Discurso encomendado, parecer tendencioso,
Jogo de búzios, runas, tarô, quiromancia,
Santinho de político decente,
Um ditador popular, um clichê, um jargão,
Um boato, um plágio, uma heresia,
Um pára-choque de caminhão.

Jurisprudência, precedente, boletim.
Cachaça, tisana, licor.
Cigarro, maconha, narguilé, promessa,
Tiro de festim.
Venha de Verona ou do Arpoador
De Itabira, Bombaim ou do Morro do Dendê
Qualquer coisa que eu esqueça
Amar você.

Procura-se II

Procuro Coisa semelhante, ou desigual.
De qualquer estilo, gênero, forma, cor
De qualquer raça, partido, facção, tendência.
Não importa autoria, Escola, teor
Nem quanto custe.
Uma crítica, uma trapaça, uma mandala.
Um despacho, uma citação, uma ordem de despejo,
Um embuste, uma pintura, uma carta de penhor,
Que lembre esse amor.

Procuro xilogravura, mas pode ser hieróglifo.
Aceito papiro, pergaminho, manuscrito do Mar Morto
Pintura rupestre ou daguerrótipo
Ai, um mero rabisco, um desenho a bico de pena!
Bilhete em guardanapo de papel, bilhete premiado,
Passagem de vôo cancelado, terrorista em fuga no Natal,
Nota fiscal sem preço,
Matula de romeiro, rubrica no gesso,
Casco de tartaruga morta no desastre ambiental,
Garatuja de banheiro
Feita com dedo sujo de cocô,
Chip de celular vazio, HD infectado,
Apito atrasado – de trem ou de vapor -
que revogue esse amor.

Procura-se I

Eu procuro uma canção
Poema, conto, romance, crônica.
Um artigo, um ensaio – pode ser fotografia –
Reportagem, documentário, curta, longa,
Mudo, falado, colorido ou preto e branco,
Digital ou analógico. Pornográfico. Sutil.
Película, videoteipe, concreto ou virtual.
Texto romântico, cínico, pernóstico,
pós-moderno ou démodé
Que não lembre você.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ressurreição Geral


Vai chegar um dia que a terra vai tremer
Pardais e curiós vão se esconder
Vai tudo escurecer
E o tempo vai parar
Do chão como ilusão mil corpos vão brotar
Depois vão caminhar
Bêbados pendentes
Vestidos em farrapos de indigentes
Defuntos penitentes, formando um batalhão.
Na frente, ratos vivos pra guiar a procissão.

E vão formar um coro pra gemer em tom maior
E vão mostrar pros vivos que viver inda é pior
Um bando de zumbis vai confessar a podridão
E todas as mazelas dos viventes desse chão

Vão desfiar segredos que os mortos sabem de cor
E o medo do que é vivo se fazer muito maior
Tantos pecadores vão rogar a salvação
Vão implorar chorando seus cem anos de perdão
Aí a morte viva vai voltar pro seu lugar
Zombando do remorso e medo dos que vão ficar
Deixando atrás de si um ar pesado de pavor
Nas ruas saturadas de verdade e de fedor.

Luis Sérgio Bezerra de Morais

Meu amigo Clown


Daria um trabalho danado
procurar razões pra não amar
Teus defeitos saem facilmente no photoshop
Tem o coração maior que a barriga
Consegue ser engraçado sem ser ridículo
Nunca desvia os olhos quando fala comigo
Você me confia tolices, sonhos, inseguranças,
portanto posso fazer o mesmo sem frescuras.
Você ri comigo, mas não de mim
e tem um sorriso arrasador
Nossas pequenas discussões
sempre acabam em gargalhadas
Você mente pra me agradar,
eu finjo que acredito
pra não te deixar sem graça.

À Ana Vidal

Ó mar salgado! Quanto de teu sal São lágrimas de Portugal!
F. Pessoa

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cilício

É como se o teu Silêncio
No adro do meu Ser pintasse
Afrescos de um Jardim de Delícias
Para sempre por terminar

Teu Silêncio
É a mais obscena das carícias
Mas desconhece a sintaxe
Da minha Língua afoita

Logo, o cilício desse olhar desvia:
Não desapontes o sagaz mamilo
Que pela fresta do Cetim te espreita.

[Plagiando verso de um poema lido weblhures.
O autor, por gentileza, me desmascare: perdi o link].

terça-feira, 20 de julho de 2010

Margens Fictícias

Quantas vezes pensei que a Paz tinha chegado
Quando a Paz estava longe
Como o náufrago, em pleno Mar
Pensa que a Terra avista
E redobra o ânimo, para logo constatar,
Tão desesperadamente como eu
Quantas margens fictícias há
Antes do Ancoradouro.

Emily E. Dickinson

Zélia Gattai teve sorte

Um amigo me enviou texto da Zélia Gattai.
Verdadeiro elogio ao homem de quarenta,
e menosprezo ao supostamente imaturo barriga de tanquinho

Bom texto. Sensível, elegante.
Mas meio utópico. Não digo que
o homem pintado pela Zélia não existe,
mas sabemos que existem também - e principalmente -
os quarentões asquerosos,que se acham
Porque têm dinheiro, status, ou porque são idiotas mesmo.
Quarentões que se vestem como se tivessem 20,
e dão cantadas infames em meninas que poderiam ser suas netas.

Tem os que bebem e dão o maior vexame, ou ficam
violentos. Tem os que não param de falar em si mesmos,
ou de futebol, trabalho, e tratam mulher como privada..
Basta ter opinião própria e não engolir traição de todo tipo,
pronto: é vagabunda. Ninguém se iluda... Ainda é assim.

Tem os quarentões fisiológica e espiritualmente
apressadinhos, que se acham muito machos, e ainda
querem que a mulher pague a conta.

E pra não dizer que não falei das flores,
tem os que aproveitam qualquer tempo livre
para seus casinhos homossexuais, passivamente.

Homens como a Zélia Gattai descreve são raros;
contam-se nos dedos das mãos - e ainda sobra dedo.

domingo, 18 de julho de 2010

Talento

Qualquer idiota consegue ser jovem.
Precisa muito talento é pra envelhecer.

(Sei lá quem disse)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mudez

Se nos faltam palavras,
estamos irremediavelmente sós,
mercê do destino - ou da morte -
que diferença?

Mas sei de solidão maior.
É quando, mercê das palavras,
Não há uma só que nos conforte
ou nos convença.

Saudade

Um dia
Olhos pisados de não me ver,
Vai procurar
Ao menos um dos meus abraços
e não vai ter.

Na chuva que lava as calhas
Do lar que se deu
E sem querer me abrigava,
Sua dor vai se perder em espirais
Mas não eu.

No rastro prateado
Que a lua desenhar na grama
Na varanda, no bar,
No vitral perto da cama,
Nada de mim restou.

Não me procure no espaço:
Entre a saudade e a dor,
Nada fiquei.
Vasculhe o peito
No tempo que me viu amando
Foi aí que me deixei
E ainda Sou.

Guardanapo de bar

Vive hoje em mim
a criatura necessária.

Nem desespero nem êxtase.
Aos poucos me torno quem
me quiseram -
Confortável,cordial.

Quanto custa, ninguém está interessado
(por que estariam? )
"Arroubos" devem ser argamassa literária,
não entraves no caminho alheio.

Sempre tão pouco me pediram,
Quase nada me esperavam.
E eu me dando a mais...
Bobagem.
Ninguém nos quer inteiro, ninguém precisa
tanto de nós. Nem nós. Nem eles.

Tão simples viver.
E eu demorei séculos pra entender.

Ora Pro Nobis

Uma, duas, três beatas
Solenes e contritas
Dedilham os terços bentos
Embebendo os beiços murchos
Em chumaços de oração.

Criaturas compassivas
Essas filhas de Eva:
Conduzem os sacramentos
Nas luzentes sapatilhas
Entre os tacões e as palmilhas
Estofadas de algodão.

Uma tem o passo firme,
O dedo em riste,
A fustigar nossas feridas.
Duas vêm e vão à missa
Catando pelo caminho
Ovelhas perdidas.

É um Trio caridoso.
Diligente, legítimo "sacrário".
Não cospe, não fia e não jura
Não rouba, não come e não mente
Não dorme, não urde e não trama
Sem cumprir o seu rosário.

Delírio

Não sei o que o amor faz de mim.
Foge-me tudo quanto sou,
O espelho não me reconhece.

Não gosto de quem sou, amando.
Sobram-me braços e dedos,
E fujo ao alcance
Dos meus próprios medos.

Mas sei o quanto te superas
Para amar-me
Sei o quanto te burila a alma
Esse gostar de mim.

É sagrado o nosso amor
Como se eu fosse tudo
E o mais não contasse;
Como se não houvesse fim
E pudesses ir comigo
Aonde eu me lançasse.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Palavras

É um auto-retrato
O que esboçamos pela vida
- Na tela áspera da vida -

Alguns com argila
Outros com pincéis e tintas
Sulcando a pedra ou ferindo a madeira,
Desgastando o ouro, fundindo outros metais,
Vão esculpindo a própria mente.

Eu colho palavras ao vento,
E as peneiro escolho viro e reviro contra a luz,
Aperto-as contra o peito, ergo-as sobre a cabeça,
Embalo-me em sua sonoridade
Ritmo canto de sereia.

Há umas de que aparo arestas e modelo,
Desgasto afago limo firo sofro e suo,
Como o monge bilaquiano.

Muitas já me chegam deturpadas
Ou vazias de sentido.
Outras, preciosas de alta linhagem, plenas
Do que preciso dizer.
Umas poderosas outras frágeis
Impotentes na expressão
Do pensar ou do sentir.
Mas sempre erradias viscosas
Inefáveis voláteis como a Idéia.

Infeliz de quem acredita
Ter sobre elas o mínimo poder,
Há de ser sempre humilhado.
Pensamos ter-lhes captado a alma
E eis que mostram outras facetas,
E aparecem novas, absolutamente inusitadas,
E nos sorriem, cínicas: ou nós as digerimos
Ou elas nos devoram.

Palavras são o meu pincel
e as tintas, e a paleta.
É todo de marmóreas palavras
O meu Partenon interior, hoje em ruínas.
Trago uma coroa de palavras
Encravadas na fronte,
E no meu rosto escorrem reticências
Que coagulam.

Minha língua é o cinzel
Que jamais engendrará um beijo de museu.
Mas as mãos sussurram, e os olhos silenciam,
Eloqüentes, toda palavra útil.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Edgar Allan Poe

Por trás do muro e da hera
Moramos os sozinhos
E em nosso peito assombrado
Uma viúva-negra tece os dias.

A noite acolhe percevejos
E na sanefa embolorada
Os cupins preparam bodas
Mas não somos convidados.

Um morcego solitário é companhia
Dos ratos, nos porões
Das nossas mentes emperradas.

As traças, solidárias,
Se empanturram de filosofias
Ao pé de hipotética lareira
E na janela surgem mãos
Encarquilhadas

Sequiosas do marfim
Que nos legou avô desconhecido,
As pálpebras nervosas tremem
E as nossas almas putrefeitas
Vão bordar Chopin nas teclas frias.

Brisa amena varre o pátio
Dos pressentimentos
E as sacadas do passado
Encolhem-se de medo.

Crispando as mãos e a vida
Cachos nervosos tricotamos
Nas imaginárias cãs
E as dobras do tafetá vestido
Sem pressa compomos.

Mas já não brilha a prataria
O bule de chá dorme esfriando
E o encanamento range
Nas poucas lembranças.

A noite desce sobre o dia escuro
E tudo o que nos resta
É esse cansaço de não-mais
De nunca mais.

Trama

De sonho e morte é que se faz a vida.
No tear de vagas esperanças
Vai-se tecendo em nosso peito a trama
Com a lã do desencanto.

De amor e medo nos alimentamos.
Na seiva escura dos pressentimentos
Sofregamente a alma se embriaga
Até que o chão nos falta

E restamos sós, sem nenhum tapete,
Penélopes de angústias inconfessas,
À beira de um porto imaginário
Perscrutando o Nada.

Teia

No peito um velho sobrado
de corredor sombrio.
Range a tábua do assoalho
Bruxuleia a parafina,
Os ratos morrem de frio.

Com a saliva dos segundos
Esguia artesã tece segredos
Na louça do aparador.
Talento não lhe falta, nem medo,
Só lhe falta amor.

Indo

Se nos reserva o áspero caminho
Silo que nos farte
E arroio que nos dessedente

Não há saber
Senão seguindo.

Cançoneta

Só se ama uma vez
Diz o ditado
e sem o menor cuidado
o repete o populacho

eu acho
cá com os teus botões
nos meus lacinhos de fita
enganchados
que a coisa mais bonita
é amar sem fazer conta
feito dois encantados

e tanto faz
se é de menos, se podia ser bem mais
se é pouco, se é bastante,
se não vai ser nunca
ou se já é demais

Amor tem que ser pra sempre
e sempre muito aos poucos, e de vagar
Amar só uma vez, e tudo de uma vez
eu não quero nunca nunca nunca
mais

Renúncia

Bem aventurados olhos de quem te adore
E te alumbre o caminho, e vele por ti, contigo chore.
Bem aventuradas mãos que te confortem e acariciem;
Abençoados ombros de aquecer-te,
Ternura bendita, de quem te acolhe,
E benditas palavras que os teus medos aliviem.

Bem aventurados dias de quem contigo more,
Santificada boca que partilhe do teu pão.
Suave sofrimento lhe esteja destinado
E aliviado seja o peso da sua solidão.

Adejem sobre este ser por ti escolhido
Raios de sol e lua que pra nós sonhei
Entoem querubins um canto de amor e paz
Ao amor que não te dei.

Bendirei a alma que a tua alma aqueça
E o coração que no seu peito bate
O que há de Bem, Verdade e Beleza
Proteja o teu amor – ainda que isso me mate.

Fênix

Porque sou nuvem e sou sangue,
E guardo um doce segredo
É que nada me sacia.

Tenho mais nervos que entranhas
Sou mais angústia que medo
Mais solidão que energia.

Matéria-prima de mim
Essa aridez me consome
A me retesar as veias

Eu trago a carne em pedaços
E costuradas na alma
Umas lembranças tão feias.

Me liquefaz a garganta
A sede de abraços
E não têm fim nem cansaço
As marcas que me deixaram
As orgias de santa.

Pois morro assim do avesso
Morro sem verbo e sem plano
Sem um poema decente
Que viva até nunca mais.

As marcas que em mim deixaram
Essas lembranças tão feias
Não têm começo nem fim

Mas sei que a qualquer instante
Não vai haver quem se espante
Se eu renascer de mim.

Crucificação

Eu conheço a crucificação:
Não tocar a pedra rara
Da tua paixão.

Tem um sabor amargo
E não há mel que o adoce
Não poder roubar-te à morte.

Conheço o mais cruel exílio:
Não cantar para o teu filho,
Não dormir no teu abraço.

E de todas as torturas
Sobrevivo à mais infame:
Saber que tu procuras
Quem como eu te ame

Ainda que profane
Esse corpo – tão meu –
Desde que não seja eu.

Adoração

Agradar uma mulher sim.
Mas não só com flor e poesia
Tem que pegar a mão e correr
Ou caminhar a esmo
Pousar o braço no ombro
Sentir medo de perder - e que ela perceba.

Beijar uma mulher, sim,
Mas muito mais lamber com o olhar
Embalar os sonhos, cultivar a esperança
Brindar em silêncio se ela aparece sem aviso
E ficar arrasado se ela chora
Com ou sem motivo.

Nutrir uma mulher sim.
Mas não só de vinho e encanto e abrigo
É preciso saciar a fome de palavras
Espicaçar a curiosidade, fruir a risada
Beber a lágrima na taça do umbigo.

Ame uma mulher - iguaria fina e rara -
Não com a alma só nem toda de uma vez;
Tem de botar no colo, noites a fio,
Tem que sufocar de abraço, de sêmen, de cio
Lambuzar os dedos nos sumos

Arranhar as costas, morder as coxas,
No seu corpo se perder ou achar mais uma vez
a paz, a fé, o porto seguro

Adorar uma mulher...
Sim.
Mas de pau duro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Prosa em dia

Não digo arquétipo
Nem protótipo
Mas proto-tipo
E arque-tipo
- É mais simpático.

Não digo heteronímia,
Mas heteronimía
Nem ortoépia mas ortoepía
- É mais poético.

Só não digo prosodía
Porque aí já seria
Putária.

A Coisa


Bateu A Coisa.
Uns chamam depressão,
outros, carência, histeria.
Eu não chamo –
ela vem à revelia.

Quando bate A Coisa
- quero lá saber o nome -
sei que fico insone,
sei que morde, ronda
invade, espezinha.

A Coisa inunda.
Amesquinha. Escurece.
Consome.
Aí vem o Sol

- bem sei de onde, como e por que -
em forma de Homem
Cego, mas iluminado.
E não há Coisa que possa
contra a vontade de Ser
pra estar ao seu lado.

domingo, 11 de julho de 2010

Falta do que fazer é um ótimo pretexto pra começar a escrever um blog.
Vejamos no que vai dar.